Caro avô Videira
Hoje era o dia do teu
aniversário.
Lembro-te com saudade, lembro
o vazio das palavras que deixaste em nós
e, particularmente, nos teus netos.
Lembro as tuas convicções, a
firmeza das tuas ideias.
Lembro os teus gestos pouco
carinhosos, mas o amor`e a determinação que tinhas às causas.
Lembro que pouco falavas do teu
destemor pela luta e pelas acções que encabeçaste.
Hoje, lembrando-me de ti, tenho
a coragem necessária para chamar biltres e fascistas à escumalha que nos
desgoverna.
Lembro que muito de ti, só
soube depois da tua morte, tal era a imensa simplicidade de cada gesto teu, de
cada acção em que te determinaste e tiveste um batalhão de
seguidores.
Lembro a forma como eu e meu
irmão fomos segregados na escola por sermos teus netos...
Lembro quando depois do 25 de
Abril, sendo conhecido por teu neto grangeava respeito e admiração junto dos
teus velhos correligionários .
Lembro o carinho que Emidio
Santana e Palma Inácio tinham por mim quando souberam que era teu
neto...
Tenho orgulho em ser o que sou
e, sobretudo, por não deixar de ser a voz do teu sangue.
Foste, na verdade, um
revolucionário, um homem impar que saíu a pé da sua aldeia, a Bendada,
calcorreando até Lisboa os caminhos da aventura e que combateu em França na
guerra de 1914/1918.
Lembro que me disseram que a
tua primeira prisão se deveu ao facto de ao regressares à tua aldeia a banda ter
tocado o hino nacional em tua homenagem.
Que logo após este "precalço"
deste fruto à semente da democracia e da liberdade começando a insurgir-te
contra a politica de então, continuando a lutar pelo que acreditavas e sabias faltar ao povo oprimido do teu
país.
Foste um homem admirável, um
revolucionário destemido que anos depois da tua morte foi considerado um dos
cinquenta irremisiveis inimigos da ditadura de Salazar.
A tua luta teve como
“recompensa” a tua deportação para os Açores e daqui para o Tarrafal, sendo um
dos presos politicos que integraram o primeiro contingente do "campo da morte
lenta".
Nos Açores, antes da tua prisão
na Terceira, deportado em Santa Cruz da Graciosa, alfabetizaste um vasto numero
de locais que viria a agradecer e homenagear-te com um pergaminho onde todos
expressaram o seu reconhecimento.
Anos mais tarde quando visitei
Santa Cruz da Graciosa, conheci um desses teus "alunos", um velhinho que ao
saber quem eu era, agarrou-se a mim e a chorar,
agradeceu o que fizeste por ele e a muitos conterraneos, em termos de instrução.
agradeceu o que fizeste por ele e a muitos conterraneos, em termos de instrução.
Que emoção vivi abraçado a esse
velhinho, humilde e reconhecido…
...E que orgulho senti,
avô....
Tu foste um indeviduo fóra do
comum numa sociedade que então borboletejava ao redor de Salazar…
Lembro a tua exigência aos
netos para que estudassem, se “fizessem” gente e servissem a
sociedade.
Lembro das vezes que nos
chamavas ao quadro de esola que tinhas em tua casa para examinares o nosso
saber…
Lembro que aos dez anos
ensinaste-me quais eram as capiitais dos países da Europa, os seus regimes
políticos e principais fontes de economia…
Que em 1976 ao regozijar-me por
ter vencido as eleições no "meu" sindicato, olhaste-me com olhar grave e
disseste: Não te esqueças que és um trabalhador!
Lembro tantas coisas,
avô…
Lembro que em 1995 fui ao
Tarrafal com Edmundo Pedro e Josué Martins Romão e que este teu companheiro do
campo te teceu os mais elogios.
Ele comunista, herói da revolta
dos marinheiros, tu republicano, fundador e presidente da Organização
Revolucionária dos Sargentos.
Recordo que me disse que a vala
que circundava o campo havia sido cavada pelos dois, que guardava gratas memórias do teu comportamento e
camaradagem.
Disse-mo num imenso e
apertado abraço.
Emocionámo-nos os dois.
Emocionámo-nos os dois.
…E tu que dizias que os homens
não choram havias de ver como chorei com esse testemunho de
autenticidade…
Que firmeza de convicções e
caracter tinha esse teu companheiro, de desterro, de sofrimento…
Avô, tu não chegaste a saber,
mas são muitos os livros que falam de ti, do teu destemor, do teu amor à
democracia, à liberdade…
Tenho-os todos! Guardo-os com
redobrado orgulho.
De ti são tantas as histórias
que não caberiam aqui.
Hoje, completarias mais um
aniversário.
Hoje escrevo para ti.
Para o homem, para o exemplo
que nos legaste, como avô, como revolucionário, como patriota e de cujos
feitos muitos se assenhoraram.
Um homem e um revolucionário a
quem por sua vontade, Raul Rego, atribuiria a Ordem da Liberdade.
Ninguém ta concedeu ou se
preocupou em lembrar-se de ti.
Confesso que
injustamente.
Contudo, hoje que completarias
mais um aniversário, ela é-te concedida, ainda que simbólicamente, pelos teus
netos João, Adalberto, Elvira e Elsa, pelos teus bisnetos Cristina, Ana Maria,
Tiago e Pedro, pelos teus trinetos João, Clara e Afonso.
Para nós, foste um exemplo e serás sempre um dos
revolucionários destemidos deste país onde os homens traem os desígnios da
pátria, branqueiam a história, ignoram os heróis anónimos.
A concluir, quero lembrar e homenagear João Manuel Aristides Duarte e João
Carlos Taborda Manata, deputados municipais da CDU à Assembleia Municipal do
Sabugal e que nela apresentaram proposta para que o nome do meu avô fosse
homenageado postumamente, bem como a recomendação aos eleitos daquela
Assembleia para que a Comissão de Toponimia Municipal não esqueça o nome do
ilustre filho do Concelho.
Estamos profundamente gratos
a estes deputados municipais e a todos aqueles que os acompanharam com o voto
favorável à sua proposta.
1 comentário:
Isto me emocionou em cada linda. Parece até eu conversando com minha mãe!
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