sexta-feira, 26 de abril de 2013

avô VIDEIRA


Caro avô Videira

Hoje era o dia do teu aniversário.

Lembro-te com saudade, lembro o vazio das palavras que deixaste em nós e, particularmente, nos teus netos.

Lembro as tuas convicções, a firmeza das tuas ideias.

Lembro os teus gestos pouco carinhosos, mas o amor`e a determinação que tinhas às causas.

Lembro que pouco falavas do teu destemor pela luta e pelas acções que encabeçaste.

Hoje, lembrando-me de ti, tenho a coragem necessária para chamar biltres e fascistas à escumalha que nos desgoverna.

Lembro que muito de ti, só soube depois da tua morte, tal era a imensa simplicidade de cada gesto teu, de cada acção em que te determinaste e tiveste um batalhão de seguidores.

Lembro a forma como eu e meu irmão fomos segregados na escola por sermos teus netos...

Lembro quando depois do 25 de Abril, sendo conhecido por teu neto grangeava respeito e admiração junto dos teus velhos correligionários .

Lembro o carinho que Emidio Santana e Palma Inácio tinham por mim quando souberam que era teu neto...

Tenho orgulho em ser o que sou e, sobretudo, por não deixar de ser a voz do teu sangue.

Foste, na verdade, um revolucionário, um homem impar que saíu a pé da sua aldeia, a Bendada, calcorreando até Lisboa os caminhos da aventura e que combateu em França na guerra de 1914/1918.

Lembro que me disseram que a tua primeira prisão se deveu ao facto de ao regressares à tua aldeia a banda ter tocado o hino nacional em tua homenagem.

Que logo após este "precalço" deste fruto à semente da democracia e da liberdade começando a insurgir-te contra a politica de então, continuando a lutar pelo que acreditavas e sabias faltar ao povo oprimido do teu país.

Foste um homem admirável, um revolucionário destemido que anos depois da tua morte foi considerado um dos cinquenta irremisiveis inimigos da ditadura de Salazar.
A tua luta teve como “recompensa” a tua deportação para os Açores e daqui para o Tarrafal, sendo um dos presos politicos que integraram o primeiro contingente do "campo da morte lenta".

Nos Açores, antes da tua prisão na Terceira, deportado em Santa Cruz da Graciosa, alfabetizaste um vasto numero de locais que viria a agradecer e homenagear-te com um pergaminho onde todos expressaram o seu reconhecimento.

Anos mais tarde quando visitei Santa Cruz da Graciosa, conheci um desses teus "alunos", um velhinho que ao saber quem eu era, agarrou-se a mim e a chorar, 
agradeceu o que fizeste por ele e a muitos conterraneos, em termos de instrução.

Que emoção vivi abraçado a esse velhinho, humilde e reconhecido…

...E que orgulho senti, avô....

Tu foste um indeviduo fóra do comum numa sociedade que então borboletejava ao redor de Salazar…

Lembro a tua exigência aos netos para que estudassem, se “fizessem” gente e servissem a sociedade.

Lembro das vezes que nos chamavas ao quadro de esola que tinhas em tua casa para examinares o nosso saber…

Lembro que aos dez anos ensinaste-me quais eram as capiitais dos países da Europa, os seus regimes políticos e principais fontes de economia…

Que em 1976 ao regozijar-me por ter vencido as eleições no "meu" sindicato, olhaste-me com olhar grave e disseste: Não te esqueças que és um trabalhador!

Lembro tantas coisas, avô…

Lembro que em 1995 fui ao Tarrafal com Edmundo Pedro e Josué Martins Romão e que este teu companheiro do campo te teceu os mais elogios.

Ele comunista, herói da revolta dos marinheiros, tu republicano, fundador e presidente da Organização Revolucionária dos Sargentos.

Recordo que me disse que a vala que circundava o campo havia sido cavada pelos dois, que guardava gratas memórias do teu comportamento e camaradagem.

Disse-mo num imenso e apertado abraço.

 Emocionámo-nos os dois.

…E tu que dizias que os homens não choram havias de ver como chorei com esse testemunho de autenticidade…

Que firmeza de convicções e caracter tinha esse teu companheiro, de desterro, de sofrimento…

Avô, tu não chegaste a saber, mas são muitos os livros que falam de ti, do teu destemor, do teu amor à democracia, à liberdade…

Tenho-os todos! Guardo-os com redobrado orgulho.

De ti são tantas as histórias que não caberiam aqui.

Hoje, completarias mais um aniversário.

Hoje escrevo para ti.

Para o homem, para o exemplo que nos legaste, como avô, como revolucionário, como patriota e de cujos feitos muitos se assenhoraram.

Um homem e um revolucionário a quem por sua vontade, Raul Rego, atribuiria a Ordem da Liberdade.

Ninguém ta concedeu ou se preocupou em lembrar-se de ti.

Confesso que injustamente.

Contudo, hoje que completarias mais um aniversário, ela é-te concedida, ainda que simbólicamente, pelos teus netos João, Adalberto, Elvira e Elsa, pelos teus bisnetos Cristina, Ana Maria, Tiago e Pedro, pelos teus trinetos João, Clara e Afonso.

Para nós, foste um exemplo e serás sempre um dos revolucionários destemidos deste país onde os homens traem os desígnios da pátria, branqueiam a história, ignoram os heróis anónimos.

A concluir, quero lembrar e homenagear João Manuel Aristides Duarte e João Carlos Taborda Manata, deputados municipais da CDU à Assembleia Municipal do Sabugal e que nela apresentaram proposta para que o nome do meu avô fosse homenageado postumamente, bem como a recomendação aos eleitos daquela Assembleia para que a Comissão de Toponimia Municipal não esqueça o nome do ilustre filho do Concelho.
Estamos profundamente gratos a estes deputados municipais e a todos aqueles que os acompanharam com o voto favorável à sua proposta.

Bem hajam




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1 comentário:

Leila Marinho Lage disse...

Isto me emocionou em cada linda. Parece até eu conversando com minha mãe!